quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Crítica: Pequenos encantamentos (por Lucianno Maza)


O teatro lambe-lambe, uma das linguagens marcantes da produção artística de Itajaí está presente em montagem da Cia. Andante

Por Lucianno Maza
Itajaí

O teatro lambe-lambe é uma linguagem cênica que teve como percursores no Brasil duas artistas nordestinas, mas hoje é também muito popular no sul do país. Cidades como Itajaí, onde o teatro de animação é bastante presente, têm tido contato continuamente com esse tipo de espetáculo minúsculo, feito com bonecos bem pequenos, dentro das antigas caixas dos fotógrafos lambe-lambe. Com peças de alguns minutos, apresentadas para uma pessoa de cada vez, evoca a ideia de confissão compartilhada pelo artista para o espectador na efemeridade de que aquele momento jamais se repetirá igual para o próximo espectador. 

A experiência de assistir a um tipo de espetáculo como esse, pelo buraco da caixa, se revela muito diferente de outras visualizações de obras de arte. A recriação do mundo em escala mínima se torna espaço infinito para o olhar cujo campo de visão é totalmente preenchido pela cena feita dentro da caixa. Diferente do teatro de palco, onde o espaço da ficção é bem delimitado e é possível ver seus limites com o espaço real - as bordas do palco, as paredes do edifício, as poltronas e outras pessoas -, o teatro lambe-lambe se torna sensorialmente um mergulho dentro da história apresentada e que toma toda caixa.

Mistérios
Nesse formato, cada ator cria de forma total e independente seu mini-espectáculo, concebendo da história à cenografia interna da caixa. “Espia Só”, da Cia. Andante, de Itajaí, Santa Catarina, é uma grande chance para conhecer essa recriação do teatro em miniatura.

O espetáculo, criado para ser apresentado em espaços públicos, sobretudo em ruas, usa a temática do acampamento cigano para contextualizar tematicamente a intervenção. É como se esse outro povo, o dos atores, como os ciganos, fosse forasteiro trazendo em suas tendas os mistérios e belezas das artes desconhecidas aos habitantes daquela terra.

Com direção geral de Jô Fornari, o espetáculo aponta uma consistente consciência da linguagem e o interesse em pesquisa-la e experimentá-la em diferentes contextos e possibilidades cênicas.

Três pérolas diferentes
No onírico e narrativo “Maria do Cais”, a inspiração é o mito umbandista homônimo, da pomba-gira que trabalha na beira do mar ou perto das embarcações. A música Cais do Corpo, de Paulo Freire, estabelece uma relação narrativa com as imagens produzidas. Quanto às soluções cênicas, a representação do marinheiro e da personagem mítica em fiapos cria um interessante movimento, especialmente quando um entra no outro sensualmente. Jô Fornari manipula os bonecos objetos com delicadeza e cria um clima de fantasia. 

O humor é a tônica de “A Iluminação”, que reproduz um espaço mais tradicional, com direito a abertura e fechamento de cortinas (no caso, biombos japoneses). A elevação espiritual de um discípulo relapso, para surpresa de seu mestre zen reflete a ideia budista que a iluminação pode surgir na imperfeição. Dessa vez, os bonecos seguem o clima nipônico em dobraduras de origami. Com sons onomatopeicos, as poucas ações feitas por Laércio Amaral, quando surgem, provocam graça e simpatia.

Já o angustiante “Baldio” tem como tema um homem vagando numa espécie de aterro sanitário no qual resume sua cidade, buscando o que há dentre os detritos. Ao som de ventos ou mares assustadores, a revelação do que o homem descobre sob o lixo é aterradora. Com apáticos rostos talhados em madeira, os bonecos são manipulados por Sandra Knoll que dispensa a luva preta - que se funde ao espaço - e veste luvas recortadas como os de uma catadora, fazendo uma interseção do corpo externo (a manipuladora) na criação da realidade interna da caixa, potencializando ainda mais a carga dramática.

As sonoplastias de Casa de Orates, Fabio Kanelo e Fernando Knoll dão o tom correto às três cenas. As caixas de teatro lambe-lambe estão dispostas em belíssima cenografia de Roberto Gorgati, uma tenda estilizada que remete aos povos ciganos e ao colorido circense, criando um cuidadoso ambiente de detalhes. Os figurinos de Daniel Olivetto têm o mesmo esmero e beleza.

2 comentários:

Anônimo disse...

O nome correto do compositor é Fábio Cabelo

Cia Andante disse...

Uma correção: Os compositores das trilhas são: Paulo Freire, Fabio Cabelo e Fernando Knoll.

Att,

Cia andante