quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Crítica: ‘Bailaram’ no palco, mas que sigam em frente (por Lucianno Maza)

foto de Núbia Abe

Sucesso do gaúcho Júlio Conte, panfleto dramatúrgico sobre a ditadura militar ganha nova montagem por uma escola de atores da cidade de Itajaí, Santa Catarina.

Por Lucianno Maza
Itajaí

No Rio Grande do Sul, bailar na curva quer dizer perder o rumo. É como se o verbo bailar significasse derrapar pra fora da pista. É o que acontece com um grupo de amigos; um deles bailou na curva da História. São jovens que cresceram juntos ao longo dos anos de Governo militar que, a partir de determinado momento, passa a lhes assombrar as vidas. Ao longo das décadas, os setes se separam, seguindo seus rumos traçados pelo momento político do país, e se reencontram como jovens universitários e trabalhadores independentes, quando olham para seus passados e se lembram do amigo ausente, um “desaparecido” da ditadura.

Essa é a história de “Bailei Na Curva” de Júlio Conte, que fora um marco da dramaturgia do Rio Grande do Sul nos anos 1980 - escrito em 1982 e encenado profissionalmente no ano seguinte. Ainda que datado e de qualidade hoje superada, é encenado por vários cursos de teatro por conta de seu número de personagens que contempla grandes turmas, como é o caso da Anchieta Arte Cênica de Itajaí que apresentou na mostra profissional local seu exercício de conclusão de curso.

Apesar de tratar de tema necessário, esse pedaço obscuro da História brasileira, tão importante para a compreensão da constituição de nossa sociedade até os dias de hoje e suas posturas sociais e políticas, o texto envelheceu mal e tornou-se uma espécie de panfleto de ideias presas a uma época. Falta à obra algum tipo de ruptura poética que poderia ser compensada por uma solidez do realismo em cenas bem esquematizadas e diálogos consistentes, o que não acontece. Mesmo como manifesto ideológico, a obra hoje é insípida, sem traços de raiva ou paixão que agitem a posição passiva do espectador dessa realidade.

Os melhores segmentos do texto são os da infância e do início da adolescência, quando os personagens ainda não foram totalmente afetados pela situação política do país e, consequentemente, o autor não foca na temática histórica e concentra-se em contar a jornada do grupo de amigos e tudo que lhes implica o despertar para a vida adulta. Com humor exteriorizado banal, as cenas cômicas que se passam durante o período da puberdade são consideravelmente superiores às dramáticas da segunda metade que, não raro, resvalam em pieguice, como é o caso do discurso final da personagem jornalista - estereótipo da justiceira - que mistura revolta com ideologia política e uma tentativa de poesia bastante frágil.

Encenação modesta
É difícil de compreender a opção artística por encenar essa obra sem que haja alguma contribuição relevante, uma nova visão para um texto tão conhecido. Valentim Schmoeler, educador de interpretação e, como tal, merecedor de todo respeito por seu trabalho, acaba concebendo uma direção sem frescor ao lado de Ana Claudia Wessler, seguindo uma receita de mise-en-scène. A dupla segue receita antiga de encenação correta e reverencia demais o texto, e reproduz, inclusive, a estética da primeira montagem profissional gaúcha que utilizara apenas cadeiras em cena (aqui substituídas por bancos).

Nesse sentido, surgem marcações objetivas demais e pouco atraentes, com problemas no desenho cênico, como é o caso quando um personagem fala com seu interlocutor sem olhar para trás, permanecendo de costas para ele, como se fosse necessário manter a ultrapassada ideia de frontalidade para o público do teatro. Momentos que permitiriam uma fuga maior da linha realista como o número final com a canção-tema do espetáculo, “Horizontes”, de Flávio Bicca Rocha - por si só destituída de maior interesse -, acabam ingênuos em sua formalidade.

Entre os atores, destacam-se aqueles que têm personagens com maiores possibilidades e tiram proveito delas. Diego Miranda Silva, Nathara Heloise Vieira, Tatiane Jacobs e Vinícius Belle imprimem intensidade na graça de suas crianças, mesmo com os clichês de composição, e lidam com certa segurança ao desenhar melhor o arco dramático da trajetória dos protagonistas, especialmente as duas atrizes supracitadas.

Compõem ainda o conjunto a codiretora e Adriano Magalhães Machado, Agnaldo Wessler, Andressa de Assis Lebrão Romanholi, Camille Aline Vieira, Carlos Roberto Farias Júnior, Cristian Cardoso Ribeiro, Cristiana Bertolette Braga, Eduardo Pereira Lira, Felipe Luciano Laurêncio de Souza, Flávia Cittadin Marcos, Guilherme Rebelo, Jackson de Brito Luiz, Laura Osório Laidens, Marcel Yago Bolda Langaro, Maria Tereza Zimmermann, Mariana de Souza Feitosa, Mauro Sérgio Santos Filho, Mayara Kellermann de Azambuja, Mônica Torinelli Nunes, Patrick Cancelier, Pietra Paola Garcia, Sandro Candido Ribeiro, Tais Cittadin Guerreiro e Victor Zaguini.

Carta aos jovens atores
Impossível não se comover ao ver tantos jovens despertando para a arte teatral, imbuídos de paixão para representar seus personagens, sejam eles protagonistas ou participantes de apoio. São atores iniciantes que tiveram pouco mais que a intuição e observação superficial para construir figuras que pertencem a uma época que seus intérpretes não viveram e, pior, provavelmente tiveram pouco contato durante sua educação, já que a História do Brasil, sobretudo o período abordado, é insuficientemente ensinada nas salas de aula do país.

É desejável agora, que aqueles que encaram o teatro como profissão, formem-se desde já como atores de seu tempo e aproveitem todo empenho e disposição juvenis para ambicionar novas percepções e formas do fazer artístico, provocando-se e aos outros maiores ousadias no campo das linguagens. O estudo teórico de pensadores da cena e interpretação, a leitura de dramaturgia contemporânea e a pesquisa por montagens experimentais - hoje facilmente acessíveis - devem acompanhar cotidianamente suas práticas. O ser-teatral deve pensar “fora da caixa”, fora daquilo que é perpetuado e estabelecido - com reproduções sem questionamentos - lançando-se ao risco.

Sem comprometer
Acompanhando a produção da encenação desse exercício, a equipe técnica não compromete. O chamado cenário de Agnaldo Wessler se limita a bancos e a iluminação de Rafael Reis é razoável na maior parte do tempo. Melhor é o figurino correto de Camille Vieira e Nathara Vieira, com alguns achados de peças da moda da época.

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