segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Crítica: A vida como ela era... (por Lucianno Maza)

foto de Núbia Abe

Luiz Arthur Nunes leva novamente as crônicas de “A Vida Como Ela É” de Nelson Rodrigues ao palco, agora com a companhia Teatro Sim... Por Que Não?!! de Florianópolis. 

Por Lucianno Maza
Itajaí

No Rio de Janeiro dos anos 1950, Nelson Rodrigues, autor máximo da dramaturgia moderna brasileira e também jornalista, publicou com grande sucesso no jornal A Última Hora uma série de crônicas que deflagrava com tintas exageradas a sociedade da época através de traições e desejos apaixonados, oprimidos pela hipocrisia.

Cruzamento de estilos
Revolucionários em si por mesclarem o caráter realista da observação cotidiana de uma crônica com as tramas de um conto e personagens bem delineados que parecem pertencer a um esquete dramático, tais textos renegavam o ensaio reflexivo humano comum aos cronistas para narrar histórias forjadas com a imaginação de um autor ficcionista, sem abrir mão do afinco jornalístico em sua comunicação - o que marca também a obra dramática posterior do dramaturgo. 

Dessa forma, Nelson Rodrigues traiu o formato convencional da crônica para cruzar diferentes estilos literários e, sob esse entroncamento, estabelecer seu universo altamente identificável com tipos decalcados com exagero da realidade de uma época.

Possivelmente, são essas crônicas que soam também como contos e esquetes, sobretudo as reunidas sob a epígrafe de “A Vida Como Ela É”, senão a melhor, a parte mais bem desenvolvida e representativa da obra desse escritor de múltiplos formatos, justamente por trazer elementos de cada um dos por ele experimentado (crônica, conto, dramaturgia).

Montagem inesquecível
Já nos anos 1990, também no Rio de Janeiro, o diretor Luiz Arthur Nunes, com seu Núcleo Carioca de Teatro, transpôs pela primeira vez esse conteúdo rodrigueano para os palcos, inaugurando uma vertente cênica com bastante frescor na época.

O diretor respeitara a integridade do texto, mantendo a força narrativa dos originais e acentuando o humor do exagero pseudorealista das histórias. Inovara no despojamento formal e uso de recursos cênicos diferenciados como máscaras, sombras e manipulações, além de certa experimentação vocal - como e quem imitia o texto - e física - desenho de movimentos. Resultando em espetáculo bastante original.

Luiz Arthur Nunes traia assim as convenções do teatro de então ao passo que, ironicamente, brincando com os clichês rodrigueanos e as diferentes claves da linguagem teatral, revelava a teatralidade da obra não dramática de Nelson Rodrigues, abrindo caminho para outras encenações desse segmento do autor no Rio de Janeiro, cujo exemplo melhor sucedido foi “Decote” texto de Daniel Herz da Cia. Atores de Laura inspirado em outros textos do mesmo gênero do autor.

Nova velha encenação
Vinte anos mais tarde, temos em 2011, a companhia Teatro Sim... Por Que Não?!!! de Florianópolis sob direção de Luiz Arthur Nunes se debruçando sobre o mesmo apanhado dos textos de “A Vida Como Ela É”.

Inevitavelmente, ecos do espetáculo carioca se fazem presentes na montagem catarinense e muitos dos recursos utilizados pelo diretor na ocasião ressurgem. Ainda que inconscientemente, o atual espetáculo é uma espécie de versão de reprodução do primeiro.

É verdade que, se analisado isoladamente, esse novo espetáculo não detém o mesmo frescor e sua inventividade já fora visto no original e outros trabalhos seguintes. No entanto, se partirmos da ideia de efemeridade do teatro como arte que se dá unicamente no momento presente e cujos registros fotográficos e audiovisuais o transformam em outras obras de experiência radicalmente diferente da teatral, essa nova encenação de “A Vida Como Ela É”, ao evocar um trabalho de importância histórica para Nelson Rodrigues e Luiz Arthur Nunes, é uma oportunidade documental.

Correção técnica
Nessa nova encenação, Luiz Arthur Nunes mantém suas características não apenas da primeira versão de “A Vida Como Ela É”, como de outros espetáculos de sua trajetória onde a ação narrativa é marcantes, como aqueles em que partiu das obras de Machado de Assis e Clarice Lispector. Todas as qualidades já citadas se apresentam novamente, mas infelizmente com menor vigor na execução. Alguns momentos também são burocratizados, como as dispersões de cada cena.

Os atores da companhia Teatro Sim... Por Que Não?!!! se equilibram enquanto conjunto. Berna Sant’Anna, Leon de Paula, Mariana Cândido, Nazareno Pereira, Sérgio P. Cândido e Valdir Silva prescindem de maior precisão, mas mantêm correção linear em seus vários personagens. Quem se destaca é a atriz Ana Paula Possap que demonstra intensidade em suas participações, seja na narração do primeiro esquete ou nas personagens dos dois últimos.

Na equipe técnica, a cenografia genérica de Fernando Marés ganha nas silhuetas de sombra desenvolvidas por Cesar Rossi que criam uma divertida referência visual de cada passagem, iluminadas de forma coerente por Luis Carlos Nem. Os figurinos de Luiz Fernando Pereira (LF) são simples e funcionais, com complemento das interessantes máscaras de látex de Sérgio Tastaldi utilizadas em um dos esquetes. Excelente é a trilha sonora do diretor, com uma irresistível pesquisa das músicas sentimentais dos anos 1950.

foto de Núbia Abe

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