domingo, 21 de agosto de 2011

Crítica: Visão contida em encenação correta (por Lucianno Maza)

foto de Núbia Abe
Porto Cênico, grupo da cidade de Itajaí, mostra sua versão para texto curto do inglês Harold Pinter (1930-2008), autor Prêmio Nobel em 2005.
Por Lucianno Maza
Itajaí

A escrita de Harold Pinter permanece como uma das mais interessantes da dramaturgia britânica. Em suas obras, o autor trabalhou, como nenhum outro, a suspenção. Encarcerando pessoas numa conversa domesticada, mas instável, seus textos são pontuados por inevitáveis silêncios, numa estrutura de linguagem que ilumina sentidos de forma indireta e permite entrever os jogos de poder envolvidos nas situações colocadas em cena. Diferente do Teatro do Absurdo - que partem de metáforas para grandes questões sociais e políticas - ao qual estruturalmente se assemelham, seus textos são sobre as banalidades de relações decompostas moralmente. Com organização de falas, tempos, lacunas e descompassos, seu formato peculiar gerou até um adjetivo próprio na Língua Inglesa: pinteresque. 

Nas chamadas “peças de memória”, o autor trabalhou sobre a lembrança mutável do passado. Em terreno arenoso, os personagens fazem percursos não lineares pela memória de suas vidas, enfrentando o outro que porta uma visão contrária do mesmo momento. Nesse segmento da obra de Pinter, sua linguagem não apenas é responsável pela estrutura formal, como se torna o próprio sentido de raciocínio da história. A peça curta “Noite” (1969), encenada pelo grupo Porto Cênico de Itajaí (SC), permite entrar em contato com a linguagem de Pinter de forma breve. Aqui, um casal maduro recorda sobre o início de sua relação; fragmentos de encontros na juventude, o princípio do casamento e sentimentos atuais ocultados. Homem e mulher recordam não das mesmas coisas, não do mesmo jeito das mesmas coisas. As experiências que compartilharam são percebidas por cada um de uma forma, e é impossível estabelecer a memória correta. Não há uma realidade, mas versões dela. A tentativa de encontrar o passado, tal qual ele foi de fato, é frustrada; o passado, enquanto tempo, moveu-se em direções diferentes pelo espaço.

Uma questão de opção
A direção de Pépe Sedrez opta por um clima de contenção austera e traz para primeiro plano o relacionamento do casal, ante ao desenho complexo dos caminhos da memória - esse sim tema central da história. Se, por um lado, Sedrez não avança na linguagem de Pinter, por outro, executa uma boa encenação com elegante correção. Já quanto a separar homens e mulheres dos dois lados da plateia, o diretor parece querer mostrar o abismo que separa gêneros, mas a ideia não se relaciona intelectualmente com a cena: ambos os sexos têm exatamente as mesmas informações cênicas. Alguma interação entre essa divisão e o conteúdo cênico seria benéfica à idéia.

Os bons atores Roberto Morauer e Valéria de Oliveira atendem corretamente a proposta do diretor com presenças bastante intensas, sendo que ele se destaca com maior segurança e preparo vocal. A cenografia assinada pelo diretor e o elenco é bela, e ao envolvê-la em tecido translúcido estabelece o ambiente claustrofóbico da ação e a exteriorização do olhar do público. A iluminação de Sedrez ajuda a criar o clima soturno, assim como os figurinos, de responsabilidade do elenco. A trilha sonora de André Ricardo de Souza segue a ideia de romantismo contida no texto e o enfoque na memória afetiva.

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