segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Crítica: Manipulação, talvez. (por Humberto Giancristofaro)

foto de Núbia Abe

Critica da peça A vida como ela é... da Cia Teatro Sim... Por Que Não?!!!
Autor: Humberto Giancristofaro

A adaptação e direção de Luís Artur Nunes para montagem da peça A vida como ela é... pela Cia. Teatro Sim... Por Que Não?!!! põe em cena cinco crônicas do estilo polêmico e saboroso de Nelson Rodrigues. A ideia fundamental que esse espetáculo tráz é a dos enleios da manipulação. Este tema não fica restrito ao texto, é trabalhado na concepção da peça e presentificado na manipulação dos jogos de cena. Ressaltado pela impostação e gesticulação dos atores, esta natureza forjadora das relações humanas se mostra cada vez mais ridícula, divertindo, mas também tocando a plateia num ponto que incomoda – as mentiras sobre as quais se constrói os laços sociais. Esse “dedo na ferida” que arranca risos do público (alguns de nervoso) denota a atualidade da peça.

O dispositivo de sublinhar as artimanhas das afinidades começa suavemente com Uma senhora honesta, na qual as personagens Luci e Valverde posam nos frame-chaves da narrativa, enquanto os demais atores contam a história e os diálogos desse casal. Uma conexão privada, entre o que é contado e como eles devem posar, atiça a pergunta de qual é a liberdade da personagem e o quão subserviente ele deve ser ao que esta sendo dito de/por ele. Causticamente, a resposta vem em sequência, na Noiva para sempre, onde as personagens são atores-manequins e atores-bonecos. Toda a possibilidade de expressão deve ser montada por seus bonequeiros, sacando-lhes qualquer autonomia. A identificação com os movimentos denuncia uma índole de clichês em nós mesmos, de como cada expressão humana é marcadamente reproduzível e pode ser manipulada. O alto nível de manipulação na técnica utilizada para esse momento da peça condiz com a história: A escolha entre dois amores, na qual uma das pretendentes, mesmo não tendo sido escolhida, preserva o poder de manipular o casal recém formado, impondo-lhes a máxima: “ – Se não é meu, não é de mais ninguém”.

No entanto, na Noiva da morte, a narrativa aponta por si só para a periculosidade das atitudes manipuladoras, que podem levar Alipinho, um garoto hipermimado, à escolha de findar seus dias. Por mais que viva-se nos tempos do “toma lá, dá cá”, o limite dessa atitude deve modular-se para não levar à falência nenhum de seus elementos. De que adiantaria ser o maior manipulador de um mundo desabitado? Mesmo com toda a palavra proferida sendo usada pelo indivíduo para extrair uma atitude complacente do outro, há que se preservar uma autonomia. Quando, em Doente, cada ator tem por trás de si outro ator, manipulando seus movimentos e soprando-lhes o texto, esse jogo cênico afirma o maniqueísmo incondicional. Resguarda, porém, o instante de decisão que cada ator pode tomar para interpretar essa “cola” do texto, eles podem dar mais ou menos intensidade à fala para afirmar sua individualidade e romper com a cadeia de determinismo.

No Grande dia de Otacílio e Odete, contudo, é onde se percebe, não uma inclinação para o livre-arbítrio, mas à coexistência. A cena começa com todos os atores formando um trenzinho, dizendo o texto todos juntos. A rede causal é infinita, não se manipula sem estar sendo manipulado. Importante é tomar consciência do porque desse comportamento e até que ponto a interdependência é sine qua non. Assim, é com essa história que termina o espetáculo, nela fica aparente as rubricas de expressão, verbalizadas pelos atores, relembrando que o trato dos costumes é uma convenção. Todo acordo deve ser lembrado como tal para não transformar-se em doutrina. Como acontece ao final que, mesmo diante da quebra do acordo de monogamia, Otacílio releva a ação de Odete e proclama a perenidade do amor – que seja apenas enquanto dure.

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