quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Crítica: Dois bons atores em um trabalho não tão bom (por Lucianno Maza)


A Sua Cia. de Teatro, formada por dupla de atores de Itajaí, apresenta espetáculo de humor com esquetes variados voltados à educação do público infanto-juvenil.
Por Lucianno Maza
Itajaí

O teatro-escola é uma linha que dialoga mais com a educação do que com a própria arte cênica, pois não se pretende obra artística, mas elemento periférico no processo de formação de crianças e jovens em idade escolar. Comprometidos com esse caráter formador, porém, os espetáculos, em geral, não possuem a consistência pedagógica que seria necessária para a comunicação eficiente com suas plateias e consequente conscientização. Em “Papo Reto”, da Sua Cia. de Teatro, espetáculo forjado nesse formato apresentado na mostra profissional local, as temerosas expectativas nesse sentido se confirmam.

No espetáculo de Marcelo Marquetti e Leandro Magalhães, temos uma sequência de esquetes sobre temas que dialogam com o universo do jovem hoje. Há desde a representação do comportamento dos motoristas no trânsito, até uma pretensa passagem sobre bullying. Outros quadros fogem completamente à temática educativa, como sátiras de um jogador de futebol mais preocupado com seus interesses comerciais ou uma dupla de homens-bomba. Antes do início propriamente dito, um dos autores-atores vai à frente apresentar o trabalho e, nessa oportunidade, esclarece a intenção por trás dele, deixando claro que o mesmo não concorda necessariamente com o que é mostrado ali, mas sim que esta exposição é para que se veja a realidade e os espectadores percebam como ela é errada.

Discutindo responsabilidade
É certo que jovens espectadores têm compreensão superior à estimativa de alguns, como os responsáveis por esse trabalho defendem. Porém, isso não justifica qualquer falta de responsabilidade quanto aos caminhos a serem escolhidos para abordar um tema (que pode ser qualquer um) para pessoas em processo de desenvolvimento psicológico e ideológico, construindo ainda suas visões de mundo.

Mesmo dentro da ideia de educação pela percepção invertida do que é apresentado, algumas cenas acabam ridicularizando quem é vítima de bullying sem perceber. É inadmissível que surja um personagem afetado cuja única missão é fazer o público rir debochadamente de sua suposta condição sexual e manifestação física e verbal de sua identidade. Reafirmando estereótipo e humor baixo em cima dele, tal cena acaba passando a ideia inaceitável de que a diferença sexual seja objeto de escárnio ou qualquer outro tipo de graça. Imaginemos, por exemplo, que uma turma de jovens em formação, já com visão da homossexualidade viciada por programas de humor popular na televisão e pela cultura machista, ao ter em sua companhia um colega afetado - também em processo de formação de sua identidade ainda confusa - repita nele o mesmo riso escarnecedor provocado por tal cena. A homofobia pode acabar então perpetuada, ao invés de rebatida.

Já no último quadro, quando dois árabes se preparam para uma missão terrorista e falam dos americanos - alvos do homem-bomba - os autores repisam uma série de clichês cômicos a respeito de ambos os povos, reforçando uma vilania infantil por parte dos árabes. Em todo caso, um dos quadros mais sem graça, tem como agravante a irresponsabilidade de fazer humor rasteiro sobre um assunto bastante específico que engloba complexas questões sociais, políticas e religiosas e reduzido, em geral, à mera animosidade.

Portátil
Responsável pela direção, Magalhães concebe o espetáculo para comunicar ao máximo com seu público, abrindo inclusive demasiadas concessões para o humor fácil, como no uso de músicas conhecidas da plateia - momento onde o público mais interage.

Com economia de recursos para atender a demanda de transporte e adaptação que o teatro-escola possui. Assim, resolve as cenas com extrema simplicidade e sem espessar algum tipo de linguagem cênica. O resultado acaba mal acabado, carecendo de maior apuro inclusive no desenho espacial. A dupla, que fica solta na maior parte do tempo, é prejudicada pela falta de segurança formal. Mesmo a cena do cobrador de ônibus - onde maior liberdade se justifica, pois a interação com o público é o objetivo, como num show de humor - precisa de maior vigor em sua condução. Quanto aos artifícios utilizados ao longo dos esquetes, o melhor é o das tapadeiras recortadas que, na cena dos bebês, os atores encaixam seus rostos e assumem a falsidade teatral.

Desperdício de talentos
Os autores do espetáculo, Marquetti e Magalhães, em cena, surpreendem com inquestionável talento. São dois bons atores humoristas com bom entendimento dos tempos de comédia. Versáteis o suficiente para desenvolver os diversos tipos que criaram, permitem que imaginemos uma capacidade interpretativa desperdiçada na superficialidade das situações e diálogos do atual espetáculo. Certamente, em dramaturgia melhor desenvolvida, ambos entreteriam a plateia infantil e também adulta; potencial para tanto os dois têm.

Os figurinos do diretor são bastante simples, com poucos elementos, funcionando à caracterização social de cada personagem. A iluminação de Marquetti é insuficiente para criar algum clima pretendido e prejudicado, também, pelas luzes da plateia que permanecem acesas - resquício de apresentações autônomas em espaços alternativos de escolas e similares. Quanto ao cenário de Edson Wesller este, na verdade, possui apenas dois banquinhos e um terceiro, invertido, onde fica apoiado o aparelho de som operado pelos intérpretes.

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