domingo, 28 de agosto de 2011

Crítica: Folhetim jovem ao estilo japonês (por Lucianno Maza)

foto de Núbia Abe
Os quadrinhos japoneses são levados ao teatro em espetáculo jovem da companhia paulista Zero Zero.

Por Lucianno Maza
Itajaí

O termo mangá se refere às populares histórias em quadrinhos japonesas, parte integrante da infância e juventude não só de jovens orientais, como, hoje, também ocidentais. Esse material, normalmente, tem como temas heróis e monstros míticos, terror e jornada heroica juvenil e rende outros produtos artísticos, como os animes - versão animada dessas histórias para a televisão, o cinema ou videogame. 

O Caderno da Morte” de Tsugumi Ōba e Takeshi Obata é originalmente uma série de mangás, posteriormente transformada em vários outros produtos, como animés. Conta a história de um jovem que encontra o caderno de capa preta de um deus da morte onde, ao escrever o nome de alguém, consegue matar essa pessoa. Inicialmente o jovem usa o caderno para livrar o mundo do mal matando apenas criminosos, mas logo isso sai de controle e ele passa a usá-lo em benefício próprio e entra num jogo de perseguição com o incógnito detetive obstinado em desvendar os misteriosos assassinatos que aterrorizam o país. 

Temas da juventude
A obra fantástica do oriente surge nessa história como um folhetim juvenil. Maniqueísta, mocinhos e vilões são bem delineados e mesmo o protagonista passa de um polo ao outro sem humanização maior. Ainda sobre o personagem principal, é bastante previsível sua trajetória heroica e falha trágica. O fardo surge logo no início da trajetória, quando o jovem diz ao pai que mataria quem fizesse algum mal a ele e, no final, é quem lhe executa o mal. Outra personagem folhetinesca é a jovem apaixonada, apresentada de forma machista como uma tola cuja única motivação é a paixão adolescente fatal.

A dramaturgia de Bruno Garcia consegue condensar o farto conteúdo em um espetáculo de pouco menos que duas horas de duração, com problemas apenas próximo ao final, quando o ritmo acelera um pouco demais. Se por um lado, citações a personalidades populares brasileiras causam ruídos, vale lembrar que nos mangás os autores também brincam com essas referências a televisão japonesa, por exemplo. Na direção, Alice K. consegue imprimir a velocidade narrativa dos quadrinhos japoneses, trabalhando os quadros fragmentados em diferentes espaços e com poucos recursos, numa condução de pouca criatividade, mas alinhada ao universo da cena. 

‘Live action’ teatral
Não é tarefa desprezível a transposição de personagens tão pitorescos para a ação cênica, mantendo suas características de escrita, sem recorrer a uma naturalização dos mesmos. Nesse sentido, Thais Brandeburgo está irrepreensível como a garota apaixonada, decodificando os elementos do exagero e erotismo incutidos nas jovens personagens femininas de mangá. São tons, expressões chorosas, gritos e pulos típicos dessa linguagem e que Brandeburgo consegue transpor para sua interpretação vivaz. Igor Amanajás também tem destaque pelo vigor físico que empresta a seu jovem e estranho detetive, enquanto Bruno Garcia se apresenta com carisma como o demônio engraçado. Rudson Marcello perde em sua interpretação algo imposta da correção do pai policial. Já Chico Lima tem desempenho insuficiente do jovem protagonista, carecendo de força dramática e consistência para dar maior verossimilhança ao jovem que passa de herói a vilão. 

A cenografia de Laura Di Marc tem grave problema na escolha de materiais, pois distorce as projeções de André Menezes, atrapalhando, inclusive, o entendimento da história - como é o caso quando as páginas do caderno da morte são projetadas e o conjunto da textura das telas com a fonte utilizada torna a leitura impossível. O figurino de Marina Baeder, Patrícia Brito e Lívia de Paula é funcional, enquanto a iluminação de Eduardo Albergaria atende modestamente as necessidades de recorte e clima.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Crítica: Simpatia em espetáculo divertido (por Lucianno Maza)

foto de Núbia Abe
Rio de Janeiro marcou presença com espetáculo infantil que agrada também aos adultos nostálgicos das antigas brincadeiras

Por Lucianno Maza
Itajaí

Trava-língua é uma divertida brincadeira popular na cultura brasileira. Nesses tempos onde as brincadeiras lúdicas foram trocadas por videogames e computadores, “A Aranha Arranha a Jarra e a Jarra Arranha o Trava-Língua”, da Cia. Pop de Teatro Clássico, é uma verdadeira ode a infância criativa, onde a própria criança é seu brinquedo e usa sua voz para recriar a realidade e subverter a própria linguagem humana para, assim, aprender a mesma em todas suas possibilidades mais divertidas, estranhas e difíceis.

O espetáculo é composto por quadros educativos, onde a música tem grande importância ao redesenhar os modos comuns de fala, como é o caso do abecedário. Mimicas e adivinhações, também têm vez. Interagindo delicadamente com o público, são apresentadas situações simples, compreendidas por crianças de menor idade - principais espectadores - e que despertam também a simpatia e nostalgia dos adultos.

Jogos de Português
A dramaturgia de autoria de Demétrio Nicolau parte das brincadeiras de trava-língua para fazer uma bem humorada jornada por nosso idioma e suas idiossincrasias. Da dificuldade de falar a palavra ‘crocodilo’, que percorre todo o espetáculo, a uma versão da ‘língua do pê’, o texto final confirma um apurado trabalho de pesquisa de jogos de fala brasileiros.

Como diretor, Nicolau trabalha sobre a linguagem, a transpondo para a cena com grande inteligência. Experimentações vocais a partir da Língua Portuguesa dão o tom de sua proposta que também utiliza como recurso a extensão do corpo no espaço, que expressiona esses jogos de voz. Para tanto, outras brincadeiras eternas do repertório infantil, hoje relegadas, surgem, como bolas, cordas e bambolês. É interessante notar como o diretor consegue equilibrar um ritmo atrativo para despertar a atenção infantil com um tempo de falas e movimentos lapidados, permitindo que as passagens sejam comunicadas para as crianças com clareza.

Coloridas
As atrizes Cecília Ripoll e Aline Sampim, em total sintonia com a proposta de comunicação para crianças, executam com segurança todo o jogo estabelecido vocal e corporalmente. Sobretudo, o trabalho corporal excepcional das duas para o desenho de movimento criado por Nara Keiserman impressiona. Já na equipe técnica, o destaque é Teca Fichinski com um figurino bem cuidado e muito colorido, perfeito para o encantamento dos pequenos. Colabora para o ótimo resultado estético a maquiagem de Mona Magalhães. O cenário, assinado pelo grupo, e a iluminação do diretor atendem a montagem.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Crítica: Instantes afetivos (por Humberto Giancristofaro)

foto de Núbia Abe
Crítica da peça Patética da Cia. Ilustríssimos Senhores
Autor: Humberto Giancristofaro

Patética é uma peça escrita por João Ribeiro Chaves Neto, por ocasião do fim dos dias de seu cunhado, o jornalista Vladimir Herzog. A estrutura narrativa é uma paráfrase sobre as intempéries que a família Herzog enfrentou para se afastar das perseguições do regime fascista na Itália e da ditadura no Brasil. O autor escolheu um caminho poético para contar sua história e continuar resistindo à opressão. A peça, por mais que tenha ganhado em primeiro lugar no concurso de dramaturgia do Serviço Nacional de Teatro de 1977, foi proibida pelo regime militar de receber o prêmio e de ser encenada. A força deste espetáculo, porém, não é apenas um mérito de seu martírio, ela é recheada de pungência teatral, o que a torna uma valiosa expressão estética do teatro brasileiro.

A Cia. Ilustríssimos Senhores resolveu montar este texto para o II Festival de Teatro Toni Cunha de Itajaí com uma nova ponderação das atitudes particulares. Um percurso que os atores tiveram que enfrentar foi de como trazer esse texto sem que sua historicidade o datasse. Pois, por mais que, vergonhosamente, ainda não conseguimos acabar com a ditadura – ela continua em patentes menos explícitas – ao usar um grito de resistência já anestesiado pelos donos do poder, a companhia corria o risco de dizer o que já foi dito. Diferente disso, esta montagem assinala uma atualização nessa insurgência. A chave da direção de Rafael Orsi de Melo foi repensar o lugar de onde o elenco se manifesta. Desta feita, o espaço topográfico das ideias formula um ambiente para que os atores tomem consciência de suas posturas, assim eles podem adotar uma concepção artística cheia de expressividade. Esse é o segredo intempestivo: fazer existir, ao invés de julgar o passado. Eles não estão lá representando personagens da história, estão expressando seus afetos puros.

A fórmula que os atores procuram erigir para a peça é de que ela não dependa da mensagem para alcançar o público, ela deve se comunicar por uma expressividade estética direta. Boa parte desses signos é emitida pelos olhares dos atores. Otávio Barwinski olha nos olhos dos espectadores e toma a fala de seu personagem Glauco (representado Herzog) como sua. Nesse ponto, não é a mensagem o que importa – se não seria uma peça moralizante – mas o esforço dos atores em oferecer uma experiência ao seu público. O que eles produzem é um acontecimento, no sentido de resgatar a potência da efemeridade do teatro. Patética é uma redescoberta do valor do instante. Ela é um instante em que o teatro acontece de forma benfazeja, por meio de seus elementos pessoais, entretanto, técnicos. 

O cenário bem resolvido tornou possível jogar com os dois planos narrativos da peça, tanto da última apresentação do Circo Albuquerque, quanto da representação da vida de Herzog, de forma a mesclar essas duas histórias num espaço coexistente e, transferindo de um para o outro, as intensidades ora melancólicas ora preocupantes. A presença da coxia em cena faz primeiramente referência ao ambiente circense, porém, guarda uma potência mais profunda de abrir o jogo ao espectador, de mostrar que quem está lá no palco são pessoas, com suas implicações e necessidades como qualquer um. Mesmo quando não estão se trocando, ficam sentados olhando as cenas, por vezes muito fortes, mas não ficam impassíveis, é possível notar as impressões que eles têm sobre sua própria peça. Isso reforça a leitura de que os atores presentificam as forças do passado em impressões verdadeiras e animam no público uma revolta pelo que quer que esteja acontecendo agora. A peça não é uma ode à justiça pelo passado, antes, é um tapa com luva de pelica pelo momento presente.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Crítica: Pequenos encantamentos (por Lucianno Maza)


O teatro lambe-lambe, uma das linguagens marcantes da produção artística de Itajaí está presente em montagem da Cia. Andante

Por Lucianno Maza
Itajaí

O teatro lambe-lambe é uma linguagem cênica que teve como percursores no Brasil duas artistas nordestinas, mas hoje é também muito popular no sul do país. Cidades como Itajaí, onde o teatro de animação é bastante presente, têm tido contato continuamente com esse tipo de espetáculo minúsculo, feito com bonecos bem pequenos, dentro das antigas caixas dos fotógrafos lambe-lambe. Com peças de alguns minutos, apresentadas para uma pessoa de cada vez, evoca a ideia de confissão compartilhada pelo artista para o espectador na efemeridade de que aquele momento jamais se repetirá igual para o próximo espectador. 

A experiência de assistir a um tipo de espetáculo como esse, pelo buraco da caixa, se revela muito diferente de outras visualizações de obras de arte. A recriação do mundo em escala mínima se torna espaço infinito para o olhar cujo campo de visão é totalmente preenchido pela cena feita dentro da caixa. Diferente do teatro de palco, onde o espaço da ficção é bem delimitado e é possível ver seus limites com o espaço real - as bordas do palco, as paredes do edifício, as poltronas e outras pessoas -, o teatro lambe-lambe se torna sensorialmente um mergulho dentro da história apresentada e que toma toda caixa.

Mistérios
Nesse formato, cada ator cria de forma total e independente seu mini-espectáculo, concebendo da história à cenografia interna da caixa. “Espia Só”, da Cia. Andante, de Itajaí, Santa Catarina, é uma grande chance para conhecer essa recriação do teatro em miniatura.

O espetáculo, criado para ser apresentado em espaços públicos, sobretudo em ruas, usa a temática do acampamento cigano para contextualizar tematicamente a intervenção. É como se esse outro povo, o dos atores, como os ciganos, fosse forasteiro trazendo em suas tendas os mistérios e belezas das artes desconhecidas aos habitantes daquela terra.

Com direção geral de Jô Fornari, o espetáculo aponta uma consistente consciência da linguagem e o interesse em pesquisa-la e experimentá-la em diferentes contextos e possibilidades cênicas.

Três pérolas diferentes
No onírico e narrativo “Maria do Cais”, a inspiração é o mito umbandista homônimo, da pomba-gira que trabalha na beira do mar ou perto das embarcações. A música Cais do Corpo, de Paulo Freire, estabelece uma relação narrativa com as imagens produzidas. Quanto às soluções cênicas, a representação do marinheiro e da personagem mítica em fiapos cria um interessante movimento, especialmente quando um entra no outro sensualmente. Jô Fornari manipula os bonecos objetos com delicadeza e cria um clima de fantasia. 

O humor é a tônica de “A Iluminação”, que reproduz um espaço mais tradicional, com direito a abertura e fechamento de cortinas (no caso, biombos japoneses). A elevação espiritual de um discípulo relapso, para surpresa de seu mestre zen reflete a ideia budista que a iluminação pode surgir na imperfeição. Dessa vez, os bonecos seguem o clima nipônico em dobraduras de origami. Com sons onomatopeicos, as poucas ações feitas por Laércio Amaral, quando surgem, provocam graça e simpatia.

Já o angustiante “Baldio” tem como tema um homem vagando numa espécie de aterro sanitário no qual resume sua cidade, buscando o que há dentre os detritos. Ao som de ventos ou mares assustadores, a revelação do que o homem descobre sob o lixo é aterradora. Com apáticos rostos talhados em madeira, os bonecos são manipulados por Sandra Knoll que dispensa a luva preta - que se funde ao espaço - e veste luvas recortadas como os de uma catadora, fazendo uma interseção do corpo externo (a manipuladora) na criação da realidade interna da caixa, potencializando ainda mais a carga dramática.

As sonoplastias de Casa de Orates, Fabio Kanelo e Fernando Knoll dão o tom correto às três cenas. As caixas de teatro lambe-lambe estão dispostas em belíssima cenografia de Roberto Gorgati, uma tenda estilizada que remete aos povos ciganos e ao colorido circense, criando um cuidadoso ambiente de detalhes. Os figurinos de Daniel Olivetto têm o mesmo esmero e beleza.

Crítica: Voo Livre (por Humberto Giancristofaro)

foto de Núbia Abe
Crítica de Aerostato de Charles Augusto
Autor: Humberto Giancristofaro

A proposta de intervenção de Charles Augusto, utilizando recursos da palhaceria, propunha-se a entreter por meio da busca por atenção. Muito atencioso na concepção de seu personagem, faltou, no entanto, uma estruturação da idéia da própria intervenção. O referido ator demonstra uma boa habilidade de encenação e presença, esvaziadas, porém, por não conseguir alcançar seu público. Quando a proposta de um ator depende da interatividade, há que se conquistá-la antes de confiar na complacência da platéia.

O trabalho começa com a chegada do palhaço ao hall do Teatro Municipal de Itajaí, entre saudações e abraços ele estabelece um primeiro contato já exagerado. Daí em diante a insistência em brincadeiras interativas ao invés de identificar o público com seu trabalho, serviu para causar um clima de constrangimento.

Se bem que, toda a dedicação do ator transparece na naturalidade com que ele se apresenta. Talvez, boa parte do resultado das suas ações tenha se perdido pela falta de um público alvo certo, poucas crianças que se divertem com dadaísmos estavam presentes. Exposto a uma faixa etária adulta, acostumados com finalidades para as ações, os gracejos foram desperdiçados.

Sendo assim, o cuidado na elaboração de números melhores, bem como na desenvoltura do palhaço, poderiam tornar a apresentação Aeróstato numa experiência verdadeiramente tocante. O ator tem potencial para tanto.

Crítica: Ode à arte (por Humberto Giancristofaro)

foto de Núbia Abe
Critica da peça Rounin do Coletivo Terceira Margem
Autor: Humberto Giancristofaro

A apresentação Rounin é um híbrido de artes cênicas. Formalmente, dialoga com a realidade do locus teatral e procura aproveitar-se do conceito de intervenção e interação. A metáfora de um samurai é usada para invocar os desafios que podem vir à tona quando as portas da reflexão sensível são abertas. O espetáculo aconteceu do lado de fora do Teatro municipal de Itajaí, usando sua grande parede lateral como fundo de cena. 

No primeiro momento, o artista convoca o imaginário da plateia a participar da construção das sensações da peça por meio de um longo ritual de vestimenta de roupas características de um samurai. Junto com uma projeção do seu duplo no paredão, inicia-se uma performance de estatuísmo, na qual os movimentos do samurai são acionados pelo depósito de uma moeda por alguém da plateia. Com esse recurso, embora repetitivo, fica estabelecida uma relação peculiar com a plateia. Entende-se que a presença do público é fundamental para a performance, diferente das impressões tradicionais que se tem dentro de uma sala de espetáculos com a plateia no escuro. É de extrema importância esse despertar do público que a cena contemporânea de teatro evoca, afinal, a plateia é uma parte do acontecimento teatral, é um elemento que comunga com o cenário, figurino, luz, atores etc... Emancipar-se é uma jornada estética pela qual o espectador está passando no tempo presente. Nisso, Rounin tem um grande mérito.

Outro elemento lúdico que alavanca o trabalho do ator-criador Leandro De Maman é seu diálogo com as intervenções site specific. Além da reflexão do lugar do teatro como descrito acima, a relação deste com a cidade surge pelo artifício da apresentação utilizar uma parede de um prédio em meio a um espaço público que é a rua. A peça continua com a projeção de um segundo personagem monstruoso na referida parede e com a interação desse com o ator. Independente da trama, este mecanismo aponta para a importância da presença da arte na cidade, porém, principalmente fora das galerias. A vitalidade da arte é invocada para o meio da rua, para o acesso público, para a vida cotidiana da cidade.

Numa excelente comunicação entre forma e conteúdo, o enredo da performance se relaciona com essas escolhas. Trata-se de um anti-herói, um comum como todos que lutam contra seus fantasmas comuns, erra como todos erram e sofre com seus erros de uma forma bem humana. Este personagem não é um mágico personagem de teatro com uma vida fantástica e bela, este samurai é um qualquer, ou melhor, é qualquer um de nós. O Coletivo Terceira Margem relembra que a verdadeira arte é viver, ao mesmo tempo em que repassa a arte como acessível a todo público.

Confira as fotos do Festival!!!

Clipping!

foto de Núbia Abe
Segue uma lista de matérias publicadas pelo jornais da região sobre o festival:

Festival de Teatro Toni Cunha tem programação neste domingo

Começa neste sábado o II Festival Brasileiro de Teatro Toni Cunha

Festival de Teatro em Itajaí: último dia

Nesta segunda tem Ditadura Militar e história de amizade no Festival de Teatro

160 espetáculos de 15 Estados se inscrevem para Festival Brasileiro de Teatro

II Festival Brasileiro de Teatro Toni Cunha agita Itajaí

O público poderá participar de workshops e mesa redonda sobre a produção teatral

II Festival Brasileiro de Teatro Toni Cunha está na reta final

Grupos teatrais de todas as regiões do Brasil farão parte do Festival

domingo, 21 de agosto de 2011

Crítica: Revoluções marinhas (por Humberto Giancristofaro)

foto de Núbia Abe

Crítica da peça A Mar Aberto do Coletivo Artísticos Atores à Deriva
Autor: Humberto Giancristofaro

A Mar Aberto foi o primeiro trabalho do Coletivo Artístico Atores à Deriva feito em 2008 na cidade de Natal. Conta a história de um velho capitão pescador que se apaixona por um jovem mancebo. Apesar da primeira temática que salta aos olhos referir-se a lida com as incompreensões acerca da sexualidade, há uma acentuação possível quanto à ontologia dos desejos em geral. A dramaturgia assinada pelo diretor Henrique Fontes tenciona a personalidade endurecida de um velho lobo do mar com a descoberta de novas impressões sensíveis. Conturbado por suas paixões, Hermínio (Doc Câmara) narra sua história a Seu José Tarrafeiro: do embrulho no estomago quando avista pela primeira vez o novo tripulante de sua traineira, ao momento desesperador da inevitável separação. 

A encenação intercala os momentos narrativos com flashbacks da história contada. Por meio desse artifício podemos notar que o embaraço do capitão nasce do conflito entre seus paradigmas. De um lado ele segue o meio convencional de interpretar seus afetos, do outro ele sofre de um desejo incondicional que foge a tudo que ele conhece. Não é suficiente a justificativa encontrada em suas crenças para a origem dessas sensações – ele culpa o tinhoso por sua volúpia – por isso ele embarca numa viagem interior em busca da fonte dos desejos. Com essa intenção a trama assume um caráter semelhante ao do romance de formação. O personagem evolui no decorrer da peça produzindo uma consciência de algo que ele não sabia. Essa construção vai demandar um jogo magistral do elenco para transmitir tais sensações, a fim de produzir na plateia afecções semelhantes.

O primeiro artifício para tanto provêm do ambiente cênico. Um emaranhado de cordas grossas e placas de isopor prestam referência a um atracadouro. Associado ao figurino de trapos e ao visagismo, todo o imaginário de histórias de pescador veem à tona, auxiliando o espectador a compactuar com essa identidade. O segundo recurso toma forma pelo desenrolar da peça expondo um desenho sonoro de Danúbio Gomes, cuidadosamente trabalhado. Este é composto tanto pela métrica do texto, quanto por efeitos sonoros especiais, embora de uma simplicidade impar, como uma chuva de quilicas e lacres de latinhas que produzem a melodia de uma tempestade em alto mar. 

foto de Núbia Abe
Em suma, esse espetáculo lida com signos sensíveis inerentes ao homem e que tem força de transcender uma moral. O resultado é uma transformação do personagem em algo para além da sua realidade, as decisões de Hermínio de não reconstruir sua barca após o naufrágio e de se reportar ao Seu José Tarrafeiro para aprender a profissão de fazer tarrafas, atualiza sua condição de pescador, sem perder o contato com o mar, mas mantendo-se prudentemente à distância.

Crítica: Visão contida em encenação correta (por Lucianno Maza)

foto de Núbia Abe
Porto Cênico, grupo da cidade de Itajaí, mostra sua versão para texto curto do inglês Harold Pinter (1930-2008), autor Prêmio Nobel em 2005.
Por Lucianno Maza
Itajaí

A escrita de Harold Pinter permanece como uma das mais interessantes da dramaturgia britânica. Em suas obras, o autor trabalhou, como nenhum outro, a suspenção. Encarcerando pessoas numa conversa domesticada, mas instável, seus textos são pontuados por inevitáveis silêncios, numa estrutura de linguagem que ilumina sentidos de forma indireta e permite entrever os jogos de poder envolvidos nas situações colocadas em cena. Diferente do Teatro do Absurdo - que partem de metáforas para grandes questões sociais e políticas - ao qual estruturalmente se assemelham, seus textos são sobre as banalidades de relações decompostas moralmente. Com organização de falas, tempos, lacunas e descompassos, seu formato peculiar gerou até um adjetivo próprio na Língua Inglesa: pinteresque. 

Nas chamadas “peças de memória”, o autor trabalhou sobre a lembrança mutável do passado. Em terreno arenoso, os personagens fazem percursos não lineares pela memória de suas vidas, enfrentando o outro que porta uma visão contrária do mesmo momento. Nesse segmento da obra de Pinter, sua linguagem não apenas é responsável pela estrutura formal, como se torna o próprio sentido de raciocínio da história. A peça curta “Noite” (1969), encenada pelo grupo Porto Cênico de Itajaí (SC), permite entrar em contato com a linguagem de Pinter de forma breve. Aqui, um casal maduro recorda sobre o início de sua relação; fragmentos de encontros na juventude, o princípio do casamento e sentimentos atuais ocultados. Homem e mulher recordam não das mesmas coisas, não do mesmo jeito das mesmas coisas. As experiências que compartilharam são percebidas por cada um de uma forma, e é impossível estabelecer a memória correta. Não há uma realidade, mas versões dela. A tentativa de encontrar o passado, tal qual ele foi de fato, é frustrada; o passado, enquanto tempo, moveu-se em direções diferentes pelo espaço.

Uma questão de opção
A direção de Pépe Sedrez opta por um clima de contenção austera e traz para primeiro plano o relacionamento do casal, ante ao desenho complexo dos caminhos da memória - esse sim tema central da história. Se, por um lado, Sedrez não avança na linguagem de Pinter, por outro, executa uma boa encenação com elegante correção. Já quanto a separar homens e mulheres dos dois lados da plateia, o diretor parece querer mostrar o abismo que separa gêneros, mas a ideia não se relaciona intelectualmente com a cena: ambos os sexos têm exatamente as mesmas informações cênicas. Alguma interação entre essa divisão e o conteúdo cênico seria benéfica à idéia.

Os bons atores Roberto Morauer e Valéria de Oliveira atendem corretamente a proposta do diretor com presenças bastante intensas, sendo que ele se destaca com maior segurança e preparo vocal. A cenografia assinada pelo diretor e o elenco é bela, e ao envolvê-la em tecido translúcido estabelece o ambiente claustrofóbico da ação e a exteriorização do olhar do público. A iluminação de Sedrez ajuda a criar o clima soturno, assim como os figurinos, de responsabilidade do elenco. A trilha sonora de André Ricardo de Souza segue a ideia de romantismo contida no texto e o enfoque na memória afetiva.

sábado, 20 de agosto de 2011

Trava língua, palhaço e história de Vladimir Herzog no II Festival de TeatroToni Cunha

Sábado (20) à tarde, a programação do II Festival Brasileiro de Teatro Toni Cunha é direcionada ao público infantil. A Companhia Pop de Teatro Clássico, do Rio de Janeiro/RJ, apresenta às 15h, o espetáculo “A aranha arranha a jarra a jarra arranha o trava-língua”. A montagem já está há sete anos em cartaz. No total foram 296 sessões com 41.752 espectadores.

O espetáculo se organiza em quadros independentes, cada um deles determinado por um trava-língua que serve de base para a encenação. Deles saem as circunstâncias, os personagens, a música, o humor e o jogo de interação com o público.

O trava-língua é um pequeno texto, rimado ou não, de difícil enunciação. Brincadeira com palavras, a ideia é que ao pronunciar os trava-línguas rapidamente a pessoa se atrapalha, resultando invariavelmente no riso franco e espontâneo da alegria infantil – e do adulto também.

Às vezes como adivinhas, às vezes em quadrinhas, os trava-línguas são uma parte extremamente rica da cultura popular, que vindo da literatura oral agora tem sido registrada em livros. A peça mostra como se pode inventar histórias e brincadeiras, usando apenas trava-línguas, movimentos e imaginação.

O Grupo
Fundada em 27 de setembro de 1999, as montagens da Companhia Pop de Teatro Clássico dedica-se ao teatro infantil, têm o cuidado e a preocupação de equilibrar os interesses do público heterogêneo que o freqüenta em suas temporadas regulares e do público específico das sessões para escolas.

Workshop
As pessoas envolvidas na apresentação do espetáculo “A aranha arranha a jarra a jarra arranha o trava-língua”, estarão reunidas no domingo (21), às 10h, no Teatro Municipal de Itajaí para debater com a comunidade e classe artística, o processo criativo da produção da montagem. A participação é gratuita.

Ficha técnica:
Direção e dramaturgia: Demetrio Nicolau
Direção de movimento: Nara Keiserman
Assistente de direção: Helena Borschiver
Elenco: Cecília Ripoll e Aline Sampin
Cenário: Companhia Pop
Figurinos: Teca Fichinski
Direção musical: Demetrio Nicolau
Caracterização: Mona Magalhães
Iluminação: Demetrio Nicolau
Duração: 42m
Classificação estaria:a partir de 4 anos

Palhaçada lúdica no Hall do Teatro com Ospália
Charles Augusto de Oliveira, palhaço, pesquisador e coordenador do projeto Ospália realiza sua interferência teatral, sexta-feira, às 19h, no Hall do Teatro Municipal. A apresentação será gratuita, não sendo necessária a apresentação do ingresso.

Aeróstato leva a plateia a voar pela poesia e ludicidade, descobrir o poder de criar e transformar o que nos cerca e o valor da despedida. Por alguns momentos pousar e decolar nos “Olh-Ares” da plateia e logo seguir voo em busca de novos “Olh-Ares”.

O grupo
Ospália é um desejo, um devaneio e ações. Muitas ações. Foi concebido em meio à confluência de um movimento de estudo de vários palhaços entre Itajaí e Blumenau. Depois de algum tempo, foi criado um projeto que abrangesse a formação autônoma de palhaços. Depois de algum tempo nascia o Ospália.

Ficha técnica
Direção e atuação: Charles Augusto
Duração: 20m
Classificação etária: Livre

Filho de Vladimir Herzog vem à Itajaí assistir a estreia de “Patética”
O grupo itajaiense Cálice Expressão de Arte estreia, às 20h, o drama Patética, no II Festival Brasileiro de Teatro Toni Cunha. A plateia contará com as presenças de Ivo Herzog, filho do jornalista Vladimir Herzog, morto pela ditadura militar, em 1975 e de Nádia Rebouças, conhecedora exímia do texto Patética.

Ivo e Nádia vêm para Itajaí, à convite do grupo itajaiense, que foi à São Paulo para uma pesquisa de campo. Ivo, além de prestigiar a estreia da montagem, irá ministrar uma palestra sobre o projeto “Resistir é Preciso...”, desenvolvido pelo Instituto Vladimir Herzog, no qual é diretor.

O encontro será realizado domingo, dia 21, às 15h, no Espaço Teatral Porto Cênico, localizado na Rua Benjamin Franklin Pereira, 287, Bairro São João – Itajaí. O encontro é aberto ao público, com entrada gratuita.

Resistir é preciso...
É um projeto é desenvolvido pelo Instituto Vladimir Herzog com o objetivo de preservar parte da história do Brasil, com foco nas decorrências do Golpe de 1964, a partir da trajetória de vida de Vladimir. O projeto abrange uma pesquisa de mais de 300 jornais, 12 documentários com 60 depoimentos de jornalistas que combateram a Ditadura no Brasil, um portal na Internet e exposições. O material será distribuído em algumas Entidades Educacionais.

O espetáculo
O Circo Albuquerque tem o prazer de apresentar o seu último espetáculo: a verdadeira história de Glauco Horowitz, sub-titulada Patética! A chegada do casal Horowitz ao Brasil seria para eles, judeus iugoslavos, a possibilidade de uma nova vida. O recomeço de sua história fragmentada pela guerra. Fixam moradia e erguem suas vidas em São Paulo. Acompanham seu filho, Glauco, ingressar no jornalismo. Profissão que seria sua glória e sua destruição. A patética história de Glauco Horowitz serve como documento, denúncia e atestado de um triste episódio da nossa história. É uma peça verdadeira e pungente que reafirma o valor do autêntico teatro brasileiro como expressão lúcida das crises e angústias de nosso povo.

No texto, os nomes originais são preservados. Mas a história contada é a mais próxima da verdade da história de Vladimir Herzog.

Ficha Técnica
Texto: João Ribeiro Chaves Neto
Direção: Rafael Orsi de Melo
Elenco: Bruna Machado, Daiana Wagner, Fabrício de Carvalho, Jônata Gonçalves, Otávio Barwinski e Rodolfo Lançoni
Figurino: Denise da Luz e grupo
Concepção de luz: Max Reinert
Operação de luz: Daiane Gonçalves
Trilha sonora original: Fábio Felippi
Operação de som: Camila Gonçalves
Cenografia: O grupo
Duração: 75m
Classificação etária: 16 anos

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Crítica: Máquina de caçar rinocerontes (por Humberto Giancristofaro)

foto de Núbia Abe



Critica da peça Dois amores e um bicho da Cia Exprimentus Teatrais
Autor: Humberto Giancristofaro

A peça Dois amores e um bicho da Cia Experimentus é uma montagem convencional do texto do venezuelano Gustavo Ott. Um convite às idiossincrasias da vida privada. Não haveria interesse algum em assistir os problemas domésticos de uma família, se estes não fossem reveladores de uma situação que está engasgada na garganta da sociedade. É um ato de coragem os atores Jô Fornari, Marcelo F. de Souza, Sandra Knoll e do diretor Daniel Olivetto mostrarem em cena a brutalidade daquilo que convencionamos chamar de normalidade. 

Conseguindo criar um ambiente coerente com o texto, os personagens dessa família sui generes, para suportarem conviver harmonicamente, precisam pôr em esquecimento os equívocos do passado. Ou melhor, precisam reformulá-los. As lembranças podem ser manuseadas para que as impressões construídas sobre elas definam-se de acordo com as volições vigentes. Camadas e mais camadas de lembranças vão se ajambrando na ilusão de fundar uma personalidade sólida e socialmente aceitável. Por nutrir esse sonho de ser normal, qualquer ruído de diferença é afinado. A primeira consequência desse arrolhamento é o estabelecimento de preconceitos e, consequentemente, em rompantes devastadores.

A figura paterna abobalhada, muito bem desenhada por Marcelo, é a expressão perfeita dessa psicologia. Tendo sido levado a escolher suas verdades, vê a verdade dos outros como desafiadoras e, por isso, dignas de serem destruídas. Quando sua realidade é fragilizada por uma ameaça, o único caminho é o confronto direto, a eliminação do diferente. Aplicado ao gênero, ao étnico e, mais danoso do que tudo, aos pontos de vista, esse preconceito corrói por dentro qualquer tentativa de sociabilização saudável. 

A forma como Sandra imprime essa tensão no personagem da mãe, faz de sua ótima atuação algo que incomoda o espectador por despertar nele a lembrança de que a normalidade é escorregadia. Também de forma bem concebida, Jô Fornari no papel da filha é um elemento chave para a trama. Com seu incessante questionamento é ela que entrega tudo de errado que está acontecendo, porém de uma forma naif. 

Aos poucos, a peça vai levantando o tapete para que o público aprecie seus preconceitos. Tudo isso só foi possível pelas excelentes escolhas que a direção tomou para construir um espaço acolhedor onde os segredos rondam e podem vir à tona. O cenário de Roberto Gorgati e o figurino de Bárbara Biscaro se completam no lugar de apontar para o cotidiano e usual como as máscaras da loucura em que vive a torpeza do ser humano. Longe de assinalar uma solução, a peça se realiza por sublinhar que “rinocerontes não são unicórnios”: não conhecendo um rinoceronte, os homens do passado o reconheciam como unicórnios – mesmo sabendo que estes são bestas lendárias, mas preferíveis a uma realidade desconhecida. O diferente não precisa ser encoberto apenas para que sua existência se justifique.

Teatro lambe-lambe, homossexualidade e Mesa Redonda no II Festival de Teatro Toni Cunha

Nesta sexta-feira, dia 19, os grupos envolvidos na Mostra Local irão participar de uma Mesa Redonda, para discutir a produção teatral na cidade. O encontro será realizado às 10h, no Teatro Municipal de Itajaí. A participação é gratuita e toda a comunidade está convidada a participar.

Com o tema, Teatro da Satisfação e da sobrevivência - Um panorama dos grupos de teatro itajaienses, os artistas irão explanar e discutir o cenário teatral da cidade. “Serão discutidas algumas característica do movimento, como por exemplo, a união dos grupos. Os artistas sempre tiveram suas dificuldades, mas sempre juntos. No início, por meio de associações, atualmente filiados a Rede Itajaiense de Teatro”, aponta a atriz Sandra Knoll.

No debate estão previstas discussões sobre o fazer teatral itajaiense. Na oportunidade, cada grupo irá explicar seu modo de produção. Devem participar da Mesa Redonda os dez grupos participantes da Mostra Local e os dois críticos convidados para avaliarem os espetáculos do II Festival Brasileiro de Teatro Toni Cunha, Lucianno Maza e Humberto Giancristofaro.

Tenda “Espia só!” apresenta teatro lambe-lambe - Mostra Local
E à noite a programação de espetáculos continua. A Cia. Andante mostra ao público, teatro em miniatura. A intervenção teatral está marcada para às 19h, com entrada gratuita.

A tenda Espia só! – que será montada no hall do Municipal – apresentará três peças simultâneas de três minutos de duração nas caixas de lambe-lambe, onde apenas um espectador por vez assiste a apresentação.

A intervenção
Espia Só! É uma intervenção de teatro lambe-lambe, constituída de dois ambientes teatrais: uma tenda e três caixas, montadas por um grupo de ciganos, que abordam as pessoas para mostrar seus “mistérios” (os espetáculos).

As peças são: Baldio - que conta a saga de dois homens numa noite escura e sombria. Uma história de quem não sabe o que fazer, mas mesmo assim o faz; A Iluminação - uma história zen sobre um discípulo relaxado e um mestre surpreso, e Maria do Cais - mulher poesia, mulher do porto. Cais dos amantes, dos perdidos. Os roteiros são de autoria da Cia. Andante e a direção das cenas é de Marcelo F. de Souza.

Linguagem
O teatro lambe-lambe é uma linguagem de formas animadas que ocupa um espaço cênico mínimo formado por um palco miniatura confinado em uma caixa de dimensões reduzidas. Nesse espaço são apresentadas peças teatrais de curtíssima duração (01 a 04 min) através da manipulação de formas animadas em miniatura .
Ficha Técnica:
Dramaturgia e roteiro: Cia Andante
Direção geral: Jô Fornari
Direção de cena: Marcelo F. de Souza
Manipuladores: Jô Fornari, Sandra Knoll e Laércio Amaral
Cenário: Roberto Gorgati
Figurinos: Daniel Olivetto
Trilha sonora: Fernando Knoll e Fabio Kabelo
Canção “Cais do corpo”: Paulo Freire
Orientador de pesquisa da cultura cigana: Lourival Andrade Junior
Duração: apresentações de 4m simultâneas durante 2h
Classificação etária: “Baldio” – 16 anos, “A Iluminação” – Livre e “Maria do Cais” – 16 anos

Espetáculo nacional aborda homossexualidade
Às 20h, é a vez do Rio Grande do Norte se apresentar no II Festival Brasileiro de Teatro Toni Cunha. O grupo Coletivo Artístico Atores à Deriva irá apresentar o espetáculo “A Mar Aberto”.

O espetáculo
Dirigida por Henrique Fontes, a peça conta a história do pescador José Hermílio, que em mais um dia de pescaria se vê surpreendido por um desejo inesperado. Ele acredita que o demônio usa de artimanhas para despertar nele o desejo pelo sobrinho de Rita, Júlio de Joana.

O jovem, que aos 19 anos abandonou a faculdade para ser pescador, aparece para o capitão como “a maldade vestida de amor”. O dia dessa primeira pescaria de Júlio e de luta contra o desejo caracterizam o conflito central dessa história. A peça coloca o homem diante do seu desejo. Uma força violenta, primitiva e inevitável que questiona valores sociais e religiosos.

A dramaturgia original teve como inspiração "Grande Sertão: Veredas", obra de João Guimarães Rosa que fala de, entre outras coisas, do desejo de um jagunço por outro recém chegado ao bando.

Workshop
O elenco do "A Mar Aberto" fará seu workshop, às 10h, no sábado (20), no Teatro Municipal. A entrada é gratuita.

Ficha Técnica:
Dramaturgia: Henrique Fontes
Direção: Henrique Fontes
Elenco: Alex Cordeiro, Bruno Coringa, Doc Câmara, João Victor Miranda e Paulo Lima
Iluminação: Daniel Rocha
Operação de luz: Daniel Rocha
Cenário: Thiago Vieira
Direção musical: Danúbio Gomes
Trilha original: Coletivo Atores à Deriva
Duração: 45m
Classificação etária: 16 anos

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Crítica: Dois bons atores em um trabalho não tão bom (por Lucianno Maza)


A Sua Cia. de Teatro, formada por dupla de atores de Itajaí, apresenta espetáculo de humor com esquetes variados voltados à educação do público infanto-juvenil.
Por Lucianno Maza
Itajaí

O teatro-escola é uma linha que dialoga mais com a educação do que com a própria arte cênica, pois não se pretende obra artística, mas elemento periférico no processo de formação de crianças e jovens em idade escolar. Comprometidos com esse caráter formador, porém, os espetáculos, em geral, não possuem a consistência pedagógica que seria necessária para a comunicação eficiente com suas plateias e consequente conscientização. Em “Papo Reto”, da Sua Cia. de Teatro, espetáculo forjado nesse formato apresentado na mostra profissional local, as temerosas expectativas nesse sentido se confirmam.

No espetáculo de Marcelo Marquetti e Leandro Magalhães, temos uma sequência de esquetes sobre temas que dialogam com o universo do jovem hoje. Há desde a representação do comportamento dos motoristas no trânsito, até uma pretensa passagem sobre bullying. Outros quadros fogem completamente à temática educativa, como sátiras de um jogador de futebol mais preocupado com seus interesses comerciais ou uma dupla de homens-bomba. Antes do início propriamente dito, um dos autores-atores vai à frente apresentar o trabalho e, nessa oportunidade, esclarece a intenção por trás dele, deixando claro que o mesmo não concorda necessariamente com o que é mostrado ali, mas sim que esta exposição é para que se veja a realidade e os espectadores percebam como ela é errada.

Discutindo responsabilidade
É certo que jovens espectadores têm compreensão superior à estimativa de alguns, como os responsáveis por esse trabalho defendem. Porém, isso não justifica qualquer falta de responsabilidade quanto aos caminhos a serem escolhidos para abordar um tema (que pode ser qualquer um) para pessoas em processo de desenvolvimento psicológico e ideológico, construindo ainda suas visões de mundo.

Mesmo dentro da ideia de educação pela percepção invertida do que é apresentado, algumas cenas acabam ridicularizando quem é vítima de bullying sem perceber. É inadmissível que surja um personagem afetado cuja única missão é fazer o público rir debochadamente de sua suposta condição sexual e manifestação física e verbal de sua identidade. Reafirmando estereótipo e humor baixo em cima dele, tal cena acaba passando a ideia inaceitável de que a diferença sexual seja objeto de escárnio ou qualquer outro tipo de graça. Imaginemos, por exemplo, que uma turma de jovens em formação, já com visão da homossexualidade viciada por programas de humor popular na televisão e pela cultura machista, ao ter em sua companhia um colega afetado - também em processo de formação de sua identidade ainda confusa - repita nele o mesmo riso escarnecedor provocado por tal cena. A homofobia pode acabar então perpetuada, ao invés de rebatida.

Já no último quadro, quando dois árabes se preparam para uma missão terrorista e falam dos americanos - alvos do homem-bomba - os autores repisam uma série de clichês cômicos a respeito de ambos os povos, reforçando uma vilania infantil por parte dos árabes. Em todo caso, um dos quadros mais sem graça, tem como agravante a irresponsabilidade de fazer humor rasteiro sobre um assunto bastante específico que engloba complexas questões sociais, políticas e religiosas e reduzido, em geral, à mera animosidade.

Portátil
Responsável pela direção, Magalhães concebe o espetáculo para comunicar ao máximo com seu público, abrindo inclusive demasiadas concessões para o humor fácil, como no uso de músicas conhecidas da plateia - momento onde o público mais interage.

Com economia de recursos para atender a demanda de transporte e adaptação que o teatro-escola possui. Assim, resolve as cenas com extrema simplicidade e sem espessar algum tipo de linguagem cênica. O resultado acaba mal acabado, carecendo de maior apuro inclusive no desenho espacial. A dupla, que fica solta na maior parte do tempo, é prejudicada pela falta de segurança formal. Mesmo a cena do cobrador de ônibus - onde maior liberdade se justifica, pois a interação com o público é o objetivo, como num show de humor - precisa de maior vigor em sua condução. Quanto aos artifícios utilizados ao longo dos esquetes, o melhor é o das tapadeiras recortadas que, na cena dos bebês, os atores encaixam seus rostos e assumem a falsidade teatral.

Desperdício de talentos
Os autores do espetáculo, Marquetti e Magalhães, em cena, surpreendem com inquestionável talento. São dois bons atores humoristas com bom entendimento dos tempos de comédia. Versáteis o suficiente para desenvolver os diversos tipos que criaram, permitem que imaginemos uma capacidade interpretativa desperdiçada na superficialidade das situações e diálogos do atual espetáculo. Certamente, em dramaturgia melhor desenvolvida, ambos entreteriam a plateia infantil e também adulta; potencial para tanto os dois têm.

Os figurinos do diretor são bastante simples, com poucos elementos, funcionando à caracterização social de cada personagem. A iluminação de Marquetti é insuficiente para criar algum clima pretendido e prejudicado, também, pelas luzes da plateia que permanecem acesas - resquício de apresentações autônomas em espaços alternativos de escolas e similares. Quanto ao cenário de Edson Wesller este, na verdade, possui apenas dois banquinhos e um terceiro, invertido, onde fica apoiado o aparelho de som operado pelos intérpretes.

Festival de Teatro abre espaço exclusivo para Mostra Local

Nesta quinta-feira, dia 18, o II Festival Brasileiro de Teatro Toni Cunha abre espaço, exclusivo para os talentos locais. Às 19h, o Grupo Porto Cênico apresenta o espetáculo “Noite”. E às 21h, a Cia Experimentus Teatrais encena o espetáculo “Dois amores e um bicho”.



Com a direção de Pépe Sedrez, atuação de Valéria de Oliveira e Roberto Morauer, “Noite” apresenta uma estética diferenciada, trazendo o público ao palco e colocando a platéia feminina e masculina frente a frente. Compondo um público de apenas 120 lugares, sendo 60 espectadores masculinos e 60 femininos.

O espetáculo “Noite” apresenta também uma trilha sonora original composta pelo músico André Ricardo Souza. A peça do escritor e dramaturgo inglês Harold Pinter (Nobel de Literatura), com a tradução de Stephan Baumgarten, trás a tona o cotidiano de dois amantes que entre paixão, empoeiradas emoções e silêncios apresentam uma vida que ainda pulsa.

O espetáculo
No palco as memórias e divagações de um casal. No jogo cênico, a tensão e a busca incessante pelo momento exato da paixão perdida no tempo, como num bolero antigo. Em volta de sensações híbridas e lembranças do passado, Noite trás a tona o cotidiano de dois amantes que entre paixão, empoeiradas emoções e silêncios apresentam uma vida que ainda pulsa.

Ficha técnica
Direção, iluminação e cenário: Pépe Sedrez
Texto: Harold Pinter
Tradução: Stephan Baumgärtel
Atuação, figurinos, maquiagem, cenário, produção executiva: Valéria de Oliveira
Atuação, figurinos e cenário: Roberto Morauer
Trilha sonora original e canção: André Ricardo de Souza
Operação técnica: Osmar Domingos
Suporte técnico: Caroline Carvalho
Duração: 40m
Classificação etária: 16 anos

Público participa do espetáculo "Dois amores e um bicho"
Às 21h é a vez da Cia. Experimentus Teatrais se apresentar no II Festival Brasileiro de Teatro, com o espetáculo “Dois Amores e um Bicho”. Na peça, o público é convidado à sala de estar de uma adorável família às voltas com crimes do passado e do presente. Em um jogo perverso e patético, eles encenam e revivem o passado investigando os motivos que levaram Pablo, o pai, a espancar um cachorro até a morte há 15 anos. No presente, em um zoológico das redondezas, novos assassinatos de animais começam a ocorrer.


A encenação dos atores Jô Fornari, Marcelo F. de Souza e Sandra Knoll em “Dois Amores e um Bicho” está apoiada centralmente no jogo entre os atores, texto, espaço e público. Por meio de um espaço cênico íntimo, luz fixa, som ambiente (e não uma trilha sonora) eles criam uma atmosfera de proximidade entre plateia e espetáculo.

A plateia está disposta em três lados da cena como visitantes. Há dúvidas se o que vemos é uma peça de teatro ou se somos parte da própria peça. Na sala de estar da família Estefano, pai, mãe e filha manipulam o espaço e o tempo a partir de suas memórias. Em seu “teatro” familiar, eles revivem o passado, criam cenas de interrogatório, encenam outros incidentes para investigar mortes de animais no passado e no presente. Explora-se portanto um jogo que busca transformar a adorável visita do público em um encontro pouco controlável.

Ficha técnica:
Texto: Gustavo Ott
Direção: Daniel Olivetto
Tradução: Marialda Gonçalves Pereira
Elenco: Jô Fornari, Marcelo F. de Souza e Sandra Knoll
Preparação de atores e assistência de direção: Barbara Biscaro
Cenário: Roberto Gorgati
Figurino: Barbara Biscaro
Desenho de luz e projeto Gráfico: Daniel Olivetto
Duração: 55m
Classificação etária: 14 anos

Mesa Redonda
Sexta-feira, dia 19, às 10h, será realizada uma Mesa Redonda sobre a produção teatral itajaiense. Participarão do encontro os grupos Etc i Tal Artes Cênicas e Manipuladora de Formas, Anchieta Arte Cênica, Cia Mútua, Sua Cia. De Teatro, Grupo Porto Cênico, Cia. Experimentus Teatrais, Cia. Andante Produções Artísticas, Ospália, Cálice Expressão de Arte, Coletivo Terceira Margem. O encontro está aberto à comunidade e a participação é gratuita.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Crítica: ‘Bailaram’ no palco, mas que sigam em frente (por Lucianno Maza)

foto de Núbia Abe

Sucesso do gaúcho Júlio Conte, panfleto dramatúrgico sobre a ditadura militar ganha nova montagem por uma escola de atores da cidade de Itajaí, Santa Catarina.

Por Lucianno Maza
Itajaí

No Rio Grande do Sul, bailar na curva quer dizer perder o rumo. É como se o verbo bailar significasse derrapar pra fora da pista. É o que acontece com um grupo de amigos; um deles bailou na curva da História. São jovens que cresceram juntos ao longo dos anos de Governo militar que, a partir de determinado momento, passa a lhes assombrar as vidas. Ao longo das décadas, os setes se separam, seguindo seus rumos traçados pelo momento político do país, e se reencontram como jovens universitários e trabalhadores independentes, quando olham para seus passados e se lembram do amigo ausente, um “desaparecido” da ditadura.

Essa é a história de “Bailei Na Curva” de Júlio Conte, que fora um marco da dramaturgia do Rio Grande do Sul nos anos 1980 - escrito em 1982 e encenado profissionalmente no ano seguinte. Ainda que datado e de qualidade hoje superada, é encenado por vários cursos de teatro por conta de seu número de personagens que contempla grandes turmas, como é o caso da Anchieta Arte Cênica de Itajaí que apresentou na mostra profissional local seu exercício de conclusão de curso.

Apesar de tratar de tema necessário, esse pedaço obscuro da História brasileira, tão importante para a compreensão da constituição de nossa sociedade até os dias de hoje e suas posturas sociais e políticas, o texto envelheceu mal e tornou-se uma espécie de panfleto de ideias presas a uma época. Falta à obra algum tipo de ruptura poética que poderia ser compensada por uma solidez do realismo em cenas bem esquematizadas e diálogos consistentes, o que não acontece. Mesmo como manifesto ideológico, a obra hoje é insípida, sem traços de raiva ou paixão que agitem a posição passiva do espectador dessa realidade.

Os melhores segmentos do texto são os da infância e do início da adolescência, quando os personagens ainda não foram totalmente afetados pela situação política do país e, consequentemente, o autor não foca na temática histórica e concentra-se em contar a jornada do grupo de amigos e tudo que lhes implica o despertar para a vida adulta. Com humor exteriorizado banal, as cenas cômicas que se passam durante o período da puberdade são consideravelmente superiores às dramáticas da segunda metade que, não raro, resvalam em pieguice, como é o caso do discurso final da personagem jornalista - estereótipo da justiceira - que mistura revolta com ideologia política e uma tentativa de poesia bastante frágil.

Encenação modesta
É difícil de compreender a opção artística por encenar essa obra sem que haja alguma contribuição relevante, uma nova visão para um texto tão conhecido. Valentim Schmoeler, educador de interpretação e, como tal, merecedor de todo respeito por seu trabalho, acaba concebendo uma direção sem frescor ao lado de Ana Claudia Wessler, seguindo uma receita de mise-en-scène. A dupla segue receita antiga de encenação correta e reverencia demais o texto, e reproduz, inclusive, a estética da primeira montagem profissional gaúcha que utilizara apenas cadeiras em cena (aqui substituídas por bancos).

Nesse sentido, surgem marcações objetivas demais e pouco atraentes, com problemas no desenho cênico, como é o caso quando um personagem fala com seu interlocutor sem olhar para trás, permanecendo de costas para ele, como se fosse necessário manter a ultrapassada ideia de frontalidade para o público do teatro. Momentos que permitiriam uma fuga maior da linha realista como o número final com a canção-tema do espetáculo, “Horizontes”, de Flávio Bicca Rocha - por si só destituída de maior interesse -, acabam ingênuos em sua formalidade.

Entre os atores, destacam-se aqueles que têm personagens com maiores possibilidades e tiram proveito delas. Diego Miranda Silva, Nathara Heloise Vieira, Tatiane Jacobs e Vinícius Belle imprimem intensidade na graça de suas crianças, mesmo com os clichês de composição, e lidam com certa segurança ao desenhar melhor o arco dramático da trajetória dos protagonistas, especialmente as duas atrizes supracitadas.

Compõem ainda o conjunto a codiretora e Adriano Magalhães Machado, Agnaldo Wessler, Andressa de Assis Lebrão Romanholi, Camille Aline Vieira, Carlos Roberto Farias Júnior, Cristian Cardoso Ribeiro, Cristiana Bertolette Braga, Eduardo Pereira Lira, Felipe Luciano Laurêncio de Souza, Flávia Cittadin Marcos, Guilherme Rebelo, Jackson de Brito Luiz, Laura Osório Laidens, Marcel Yago Bolda Langaro, Maria Tereza Zimmermann, Mariana de Souza Feitosa, Mauro Sérgio Santos Filho, Mayara Kellermann de Azambuja, Mônica Torinelli Nunes, Patrick Cancelier, Pietra Paola Garcia, Sandro Candido Ribeiro, Tais Cittadin Guerreiro e Victor Zaguini.

Carta aos jovens atores
Impossível não se comover ao ver tantos jovens despertando para a arte teatral, imbuídos de paixão para representar seus personagens, sejam eles protagonistas ou participantes de apoio. São atores iniciantes que tiveram pouco mais que a intuição e observação superficial para construir figuras que pertencem a uma época que seus intérpretes não viveram e, pior, provavelmente tiveram pouco contato durante sua educação, já que a História do Brasil, sobretudo o período abordado, é insuficientemente ensinada nas salas de aula do país.

É desejável agora, que aqueles que encaram o teatro como profissão, formem-se desde já como atores de seu tempo e aproveitem todo empenho e disposição juvenis para ambicionar novas percepções e formas do fazer artístico, provocando-se e aos outros maiores ousadias no campo das linguagens. O estudo teórico de pensadores da cena e interpretação, a leitura de dramaturgia contemporânea e a pesquisa por montagens experimentais - hoje facilmente acessíveis - devem acompanhar cotidianamente suas práticas. O ser-teatral deve pensar “fora da caixa”, fora daquilo que é perpetuado e estabelecido - com reproduções sem questionamentos - lançando-se ao risco.

Sem comprometer
Acompanhando a produção da encenação desse exercício, a equipe técnica não compromete. O chamado cenário de Agnaldo Wessler se limita a bancos e a iluminação de Rafael Reis é razoável na maior parte do tempo. Melhor é o figurino correto de Camille Vieira e Nathara Vieira, com alguns achados de peças da moda da época.

Crítica: Silencio, no hay charla (por Humberto Giancristofaro)

foto de Núbia Abe

Crítica da peça Flashes da Vida
Autor: Humberto Giancristofaro

A Cia Mutua, na figura de seu mímico Guilherme Peixoto, exibiu o espetáculo Flashes da Vida no dia 16 de agosto em Itajaí. Vindo de uma longa tradição de circo o ator é também seu próprio diretor e autor de seus números. A estrutura cênica partiu de movimentos clássicos da pantomima para criar um ambiente de entretenimento. Preocupado em fazer as pessoas rirem, o espetáculo utiliza uma linguagem simples com tiradas rápidas na forma de seis esquetes.

A mímica é uma maneira de designar o nome genérico de uma arte, que tem suas origens nas raízes do teatro grego, fortemente ligado à educação – é associada a uma das musas, Polímnia, que educou Apolo por meio da mimese. Este é o termo que se refere à cópia e é justamente isso que o mímico busca em sua atuação: mimetizar o mundo através de uma linguagem gestual. Pode-se fazer com essa técnica todos os gêneros, a comédia, porém, é a atmosfera mais profícua a ela.

Para além de copiar gestualmente os objetos, a fim de que eles pareçam que estão em cena, Guilherme Peixoto usa uma camada subjetiva da mímica – é o caso da cena em que seu chapéu fica preso em um ponto suspenso no ar sem que o ator consiga move-lo. As leis da física são postas em xeque para ajudar a tornar o mundo do palco um lugar mágico, onde essas leis não valem tanto e onde o nonsense pode acontecer para exaltar habilidades impossíveis; chegar ao buraco de golfe antes da bolinha arremessada, por exemplo.

Outro elemento técnico que vale ressaltar nesse trabalho é a preocupação com a iluminação, assinada também pelo mímico. As luzes ajudam a demarcar as áreas e distinguir ambientes para a cena, é ela que define o espaço do carro; do campo de golfe; do dentro e fora de uma casa. Especificamente neste esquete da casa, em que o personagem está desesperadamente apertado para ir ao banheiro, a luz é a chave para criar toda a tensão da cena. Percebendo que a porta do banheiro estava emperrada, ele decide sair pela janela e caminhar pelo batente do prédio até a janela do banheiro. Toda a construção de aparente periculosidade da cena se baseia na quão fina é a marca de luz que vem das laterais, sobre a qual ele deve se equilibrar para não cair.

Por último, o recurso de pantomima usado no esquete final se torna inusitado por associar ao humor uma pitada de thriller. A pantomima é um gênero da mímica, caracterizado por possuir uma trama e contar uma história mais elaborada do que apenas encenar uma situação pontual. Com esse esquete, em que o performer visita à casa de sua apaixonada e acaba caindo numa armadilha letal, o ator se mostra versátil na arte de construir impressões sensíveis.

Crítica: Diversão e sensibilidade (por Lucianno Maza)

foto de Núbia Abe
Um dos nomes mais conhecidos da dramaturgia contemporânea nacional, o paranaense Mário Bortolotto, radicado em São Paulo, apresenta uma nova montagem de um de seus primeiros textos.

Por Lucianno Maza
Itajaí

Autor de uma das obras mais coerentes do teatro brasileiro, Mário Bortolotto tem seus textos assumidamente impregnados com a visão de mundo beatnik de autores como Jack Kerouac e, ainda mais do escritor próximo dos beats: Charles Bukowski. Seus personagens são homens que correm a vida sem grandes ambições, atrás apenas de uma boa música, uma boa cerveja e uma boa mulher, não necessariamente nessa ordem. Homens que não se lançam a complexas reflexões da vida, mas vivem de fato a experiência do passar dos dias. 

Em “À Meia-Noite Um Solo de Sax na Minha Cabeça” acompanhamos o crescimento de dois amigos de infância bastante diferentes: Jesse, um inseguro e quase alienado filho de uma família de classe média e Billy, consciente e politizado filho de uma prostituta. De 1950 até a virada do ano de 1983 para 1984, em cenas rápidas, temos os encontros, desencontros e reencontros desses dois homens opostos em suas ideias e realidades sociais, mas unidos por uma inabalável amizade. Com a História do país como pano de fundo, destacando o momento político da ditadura militar, o texto não se torna datado, pois, sabiamente, foca na relação humana, nessa espécie de amor real e possível que é a amizade.

Jovem autor
Escrita pelo autor aos 21 anos de idade, temos a chance de conhecer um jovem Bortolotto começando a maturar influências culturais e encontrar sua própria identidade que marca seu teatro até chegar aos grandes textos como “Nossa Vida Não Vale um Chevrolet” ou “A Frente Fria que a Chuva Traz”. Visivelmente aprendendo a lidar com elementos da estrutura dramatúrgica, ele já exibe nesse texto de seus primeiros, talento para diálogos fluídos, ora engraçados e ora melancólicos. Há um antagonismo bastante reforçado nas diferenças dos dois, que se revela especialmente na cena política quando os dois amigos, se encontram em lados opostos da campanha eleitoral ao Governo do Rio de Janeiro, e se enfrentam ideologicamente com clichês – que, como todo clichê, são frutos da realidade - sobre a direita e esquerda. São nos momentos onde as diferenças de ambos são representadas com mais sutileza que surgem as melhores cenas, como a hilariante dos bebês, o encontro ébrio no banheiro, o alucinado show, a conversa regada a cerveja gelada e a celebração do ano novo.

‘Os brutos também amam’
Em “À Meia-Noite Um Solo de Sax na Minha Cabeça”, Bortolotto já se mostra também como um dos escritores que melhor consegue transportar para o palco o universo do homem heterossexual - tão difícil de ser reproduzido em cena em suas emoções contidas e desencantadas. Se num primeiro momento algumas pessoas podem se incomodar com o que entendem como machismo, um olhar mais atento e destituído de preconceito perceberá a sensibilidade decantada nesses machos alfas, desvelando os oprimidos sentimentos masculinos. 

Se por um lado, os personagens chamam mulheres de puta - elas sendo ou não -, por outro são homens apaixonados por essas “putas”, que se mantêm casados e felizes ao lado delas (caso de Jesse) ou deslocados e em busca de uma. Da mesma forma, referem-se a homossexuais pejorativamente como veados, mas assumem sem pudores fazer sexo prazeroso com esses “veados” (como Billy), e até ensaiam sem afetações uma relação de “troca-troca”. Assumidamente há o sarro, mas não machismo ou homofobia em suas palavras. Adjetivam como aprenderam, sabem e podem, sem real carga moralizadora.

Em tempos politicamente corretos, a vulgaridade sincera desses personagens pode chocar com sua escrotidão, mas retratam com honestidade homens que, sem sua revolução emocional, criaram seu código social libertário e desenvolveram seu próprio sentido de sensibilidade. E, afinal, a sensibilidade surge de diferentes formas, dentro de vários contextos, e através de atitudes irreconhecíveis.

foto de Núbia Abe
Diversão em cena
Como diretor, Bortolotto não se preocupa a inventividades estéticas, mas sim em materializar da forma mais direta seu texto. Realiza as cenas em ritmo adequado, com marcações que soam despojadas na liberdade que dá aos intérpretes, mas são também funcionais e mesmo bonitas em sua simplicidade, como quando um deles, o mais abonado, senta-se no chão para ouvir o amigo que passa por momento delicado na única cadeira que dispõe ou no final, quando estouram em comemoração ao som do solo do sax de nossas cabeças. 

Sem apelar para virtuosismos, os atores Fábio Esposito e Henrique Stroeter mostram que dominam o palco e o transformam numa espécie de playground para seus talentos. Percebemos que eles, felizmente, se divertem em cena, mas é preciso notar que não há ali apenas fruição. Existe um apuro consciente de um humor físico de alta qualidade, alcançado com o desenvolvimento técnico da interpretação realista refinada em exagero controlado e até mesmo da palhaçaria dos dois atores. Espósito - que acumula experiências profissionais como palhaço - molda irrepreensivelmente a máscara facial e joga com suas posturas. Enquanto isso, Stroeter modula tempos e entonações vocais de forma admirável em chave de atuação.

Quanto à parte técnica, se destaca a pesquisa e simplicidade que atendem perfeitamente a representação das épocas e sua encenação, a começar pelo figurino correto de Henry Solomovici e a ótima iluminação de Bortolotto. A trilha sonora do diretor com músicas marcantes dos anos 1950 aos anos 1980 é outro trunfo do espetáculo. Contribuem também as projeções de Ronaldo Cahin com cenas históricas que localizam a realidade política do mundo e trechos de filmes e videoclipes representativos da cultura produzida ao longo das décadas em que se passa o espetáculo.